Heitor
Scalambrini
Costa*
Nas
últimas semanas foram veiculadas pela mídia notícias que deixaram,
no mínimo, preocupadas todas as pessoas que querem, esperam e
desejam que Pernambuco se desenvolva de forma sustentável e assim,
melhore a condição de vida da população pernambucana. O
crescimento econômico do Estado tão propalado e propagandeado não
é um fim em si mesmo. Ele é uma ferramenta, um instrumento
para o desenvolvimento. E o desenvolvimento que nós defendemos
é aquele que seja sustentável em todos os aspectos: econômico,
ambiental, social e cultural.
Inicialmente,
deixou-nos perplexos, o anúncio do secretario estadual de Recursos
Hídricos, na 9ª Reunião do Conselho deliberativo da SUDENE,
ocorrida em 29 de abril, de que o Estado vai entrar na disputa para
receber uma central nuclear que o governo federal planeja instalar no
Nordeste. É sabido que no seu artigo 216, a Constituição
Estadual proíbe a instalação de usinas nucleares em Pernambuco
enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia
elétrica de outras fontes. Logo, o governador vai ter que mudar a
Constituição Estadual.
Outra
ação do executivo, na mesma linha da perplexidade, foi o envio à
Assembléia Legislativa (AL) do Projeto de Lei (PL) 1496/2010,
autorizando o desmatamento de 1.076,49 hectares de vegetação
nativa, para a ampliação do Complexo Industrial e Portuário de
Suape, no Grande Recife. Com a pressão das organizações da
sociedade civil pelo absurdo proposto, um substitutivo foi enviado e
aprovado, para o desmatamento de 691 hectares (tamanho aproximado
de 700 campos de futebol), de mata nativa, sendo 508 de mangue,
166 de restinga e 17 de mata atlântica. Ação idêntica de
desmatamento de vegetação nativa está também em tramitação na
AL, o PL 1591, que autoriza o desmatamento de 7,4 hectares,
distribuídos em 44 fragmentos, visando o alagamento de uma área
para a formação do reservatório de uma PCH (pequena central
hidrelétrica) chamada Pedra Furada, no município de Ribeirão, na
Mata Sul.
Mais
recentemente, o comunicado divulgado pelo grupo finlandês Wärtsilä,
que irá assumir a construção da usina termelétrica Suape II, no
Complexo Industrial e Portuário de Suape, com uma potência
instalada de 380 MW, funcionando com óleo combustível: uma sujeira
só para o meio ambiente. O projeto do tipo “chave na mão”
(turnkey) pertence a um grupo formado pela Petrobrás e a Nova Cibe
Energia (Grupo Bertin), cujo início de operação comercial está
prevista para 1º de janeiro de 2012.
Em
nome de alavancar o desenvolvimento do Estado, com novos
investimentos para a região e a criação de novos postos de
trabalho e geração de renda, se perpetua um modelo predatório,
cujas conseqüências podem ser traduzidas na aceleração da
degradação ambiental e no aumento das emissões de gases de efeito
estufa, responsável pelas mudanças climáticas; além de pressionar
os problemas econômicos e sociais com mais concentração da riqueza
gerada.
A
questão das opções e das escolhas das fontes de energia é assunto
em pauta, no contexto mundial, pois são as fontes energéticas
atuais (petróleo/derivados, gás natural, carvão mineral e minérios
radioativos) responsáveis por mais de 2/3 das emissões de gases de
efeito estufa no mundo. Com relação à instalação de
termoelétricas no Estado, recordemos da TermoPernambuco (TermoPe),
movida a gás natural, que até recentemente, por falta deste insumo,
nunca havia atingido sua capacidade instalada plena de 520 MW, além
de ter contribuído e contribuir significativamente para a majoração
extraordinária das tarifas de energia elétrica no Estado. Trata-se
de um exemplo que não podemos esquecer.
O
que deixa atônito a todos é este anúncio, completamente
inexplicável do ponto de vista ambiental e da oferta de energia
elétrica, da Energética Suape II. O combustível a ser empregado é
o óleo combustível, que dentre os combustíveis fósseis é o mais
“sujo”, pois para cada 0,96 m3
de óleo combustível consumido na usina serão emitidas 3,34
toneladas de CO2
(segundo
a Agência Internacional de Energia).
O
interesse pelas usinas nucleares é outra decisão absurda do governo
estadual, completamente descabida, fora de propósito e equivocada.
Os argumentos utilizados como o da diversificação da matriz
energética, atendendo o crescimento da demanda de energia da região,
de que é uma tecnologia segura, não emissora de CO2
e barata para a produção de energia elétrica, são argumentos
falaciosos e não representam a verdade dos fatos.
Com
relação aos custos da eletricidade nuclear eles são caros e irão
impactar ainda mais as tarifas de energia elétrica, uma das mais
caras do mundo. De que é uma tecnologia segura? Como se fosse
possível, alguns de seus defensores chegam a afirmar que os riscos
de ocorrer um acidente inexistem. Obviamente, não podemos negar os
renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como
segura, todavia, acidentes em instalações nucleares em diversos
países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa,
oferecendo constantes riscos que podem trazer conseqüências
catastróficas ao meio ambiente e à humanidade, por centenas de
milhares de anos. Sem falar em outro problema que continua sem
solução no Brasil e no mundo, que é o armazenamento do lixo
radioativo gerado pelas usinas. Estima-se que estes rejeitos tenham
que ficar isolados durante até 10 mil anos. Aí se evidencia um
problema de ordem ética, pois usamos a eletricidade agora e
deixaremos para as gerações futuras resolver o que fazer com este
lixo.
Afirmar
que as centrais nucleares não contribuem para os gases de efeito
estufa, que são “limpas”, é uma meia verdade. No conjunto de
etapas do processo industrial que transforma o mineral urânio, desde
quando ele é encontrado nas minas em estado natural até sua
utilização como combustível dentro de uma usina nuclear, chamado
ciclo do combustível nuclear, são produzidas quantidades
consideráveis de gases de efeito estufa. Segundo dados da Agência
Internacional de Energia Atômica se consideramos a mineração do
urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da
central (descomissionamento) e o processamento e confinamento dos
rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2
por kWh gerado. Já de acordo com a metodologia de Storm e Smith para
o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares
emite de 150 a 400 g CO2/kWh,
enquanto o ciclo para geradores eólicos emite de 10 a 50 gCO2/kWh.
O cálculo que faz a Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2
por kWh. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás.
Portanto, aqui também tem um mito, um afã de descartar, cortar e
mostrar uma parcialidade sobre a realidade desta fonte de energia.
Quanto
os desmatamentos previstos na área de Suape, também há um engano
que comprometerá as futuras gerações, em afirmar que o “novo
ciclo de desenvolvimento (?)”, e que a “redenção econômica do
Estado (?)” exigirá “o sacrifício ambiental” daquela área,
segundo o diretor de Engenharia e Meio Ambiente de Suape (JC de
25/04/2010 “Os desafios do Desenvolvimento”). É preciso que se
façam os investimentos corretos a fim de compatibilizar o
desenvolvimento que leva em conta a saúde, a educação, a cultura,
com a diversidade e com a proteção dos recursos naturais. Temos
sim, que avançar no sentido de uma mudança de paradigma da relação
das indústrias com os recursos naturais, com o uso de novas
tecnologias, que possam ser menos poluentes, que possam contaminar
menos, que assumam esse papel da responsabilidade social e
ambiental. É preciso cada vez mais dizer alto e em bom tom que
o meio ambiente não atrapalha o desenvolvimento.
Empreendimentos
da magnitude que estão ocorrendo não podem acontecer sem uma forte
participação da sociedade, pois os impactos ambientais, entendidos
como as conseqüências das ações previstas e em andamento,
acabarão influindo na qualidade de vida, não somente dos moradores
daquela região, mas de todo o Estado. Partindo do conceito de
desenvolvimento sustentável podemos afirmar que é um absurdo e um
equívoco que o governo estadual opte pela energia nuclear e pela
termoelétrica a óleo combustível para geração de energia
elétrica, considerando que o Estado conta com outras opções de
produção a partir de energias renováveis e limpas (solar, eólica,
bioeletricidade/bagaço da cana de açúcar). Para um
desenvolvimento sustentável, voltado para o bem de todos, da pessoa
humana e da natureza, não se deve optar pelo desmatamento e sim pela
preservação ambiental.
O
mais importante a destacar é que o crescimento que estamos
vivenciando em Pernambuco está subordinado a um modelo de
desenvolvimento econômico que considera que crescer desmatando e
utilizando fontes energéticas “sujas” é o único caminho. Uma
visão do século passado que ainda domina as mentes dos gestores.
*
Professor
Associado da Universidade Federal de Pernambuco