quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Por uma Universidade Pública

FRANCISCO DE OLIVEIRA, PAULO ARANTES, LUIZ MARTINS e J. SOUTO MAIOR.


A dificuldade econômica da universidade pública na atualidade é fruto de uma negligência proposital do Estado com o ensino público.

O reitor da Universidade de São Paulo publicou neste espaço ("Mecenato e universidade", 10/6) artigo com alguns argumentos que precisam ser democraticamente contrapostos. Para ele, os problemas da USP partem de uma
razão econômica. A saída que expõe é uma contradição em termos: o ingresso de dinheiro privado para a melhoria da universidade pública. Para proteger a universidade pública, que é melhor que a privada, diz que a universidade pública deve abrir suas portas para o dinheiro privado. No fundo, o que a sua solução esconde é a tentativa de privatizar o ensino público. Ora, não se tendo conseguido fazer com que as entidades privadas prevalecessem no cenário educacional, busca-se fazer com que o ensino público forneça o material humano necessário para os fins da iniciativa privada.

A dificuldade econômica pela qual passa a universidade pública é fruto de uma negligência proposital do Estado com o ensino público, que se pretende compensar com o investimento privado. Este último cria, na verdade, uma perigosa promiscuidade que desvirtua a razão de ser do ensino público, que deve se voltar para os problemas sociopolítico-econômicos gerais do país.

Mas mais grave ainda é a forma pela qual se vislumbra tal "parceria". Na Faculdade de Direito, ela se fez para duvidosas reformas arquitetônicas que nada acrescentaram à melhoria do ensino. Além disso, para se chegar a
tanto, foram desrespeitados diversos preceitos da ordem jurídica. O que o reitor chama de "modernização" constituiu grave ilegalidade.

Cumpre resgatar o respeito à ordem jurídica, ainda mais à luz do grotesco episódio de transposição dos livros das bibliotecas departamentais, da noite para o dia, para um prédio desprovido de condições, e cuja devolução ao local de origem, por determinação do Ministério Público, vem se arrastando há mais de três semanas...

Tais ilegalidades justificariam um processo de improbidade administrativa contra o reitor, que, além do mais, em entrevista recente à Rede Bandeirantes, referiu-se à USP, faltando com o decoro acadêmico mínimo, como "terra de ninguém", "tomada por invasores" e "assemelhada a morros do Rio de Janeiro", em vias de "virar um Haiti".

O grande passo que precisa ser dado pela USP é a sua reestruturação, buscando a democratização interna e externa, mediante o voto universal, condição para uma estatuinte e um processo rumo à superação do vestibular,
visando o acesso universalizado à universidade pública, tal como é noMéxico e na Argentina há quase um século.
O reconhecimento republicano da igualdade de voto e de cidadania de professores, estudantes e trabalhadores supõe o respeito pleno às manifestações dos servidores que legitimamente lutam por direitos.

A reitoria afirma que os trabalhadores em greve estão cometendo uma ilegalidade e comete o abuso de cortar o ponto de mil servidores, mirandocom suas punições principalmente alguns de menor salário.

Mas a greve é um direito fundamental consagrado e, sobretudo, se justifica quando os trabalhadores são atingidos, na sua concepção, por ilegalidades cometidas pelo empregador. Negar a greve como um direito e fixar
represálias ou coações constitui, por si, um grave atentado à democracia.

Todos os que prezam o regime democrático devem se alinhar com os trabalhadores da USP, que fazem história com suas lutas, contribuindo vivamente para a democratização da universidade, tal como os operários do ABC que, nos idos de 1978-80, desafiaram publicamente a repressão e levaram à reconstrução da ordem jurídica do país.

FRANCISCO DE OLIVEIRA é professor emérito da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP).
PAULO ARANTES é professor da FFLCH-USP. LUIZ RENATO MARTINS é professor da
Escola de Comunicações e Artes da USP.
JORGE LUIZ SOUTO MAIOR é professor associado da Faculdade de Direito da USP.

domingo, 19 de setembro de 2010

O descaso com a rádio universitária.

Heitor Scalambrini Costa
professor da UFPE


Desde meados de agosto a Rádio Universitária AM está fora do ar, por conta de problemas técnicos no seu transmissor. Falta manutenção básica.
Por que a falta de interesse da administração da UFPE em resolver o assunto?.
Faz tempo que os problemas técnicos e estruturais da rádio ocorrem. Com a radio AM fora do ar, uma parcela da população e da comunidade universitária fica sem informação, educação e lazer.
Conclamamos a comunidade universitária a reagir e não deixar que esta situação de descaso com os veículos de comunicação como a radio AM, FM e a TV Universitária persistam.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Universidade Federal Fluminense aprova gratuidade total dos cursos

86,7% dos votantes garantiram, por meio de plebiscito oficial, o fim da cobrança de taxas e mensalidades das especializações lato sensu e dos MBAs

Por Najla Passos
ANDES-SN

A comunidade universitária da Universidade Federal Fluminense – UFF aprovou, por meio de plebiscito oficial reconhecido pela administração superior, o fim dos cursos pagos na instituição, inclusive cursos de especialização lato sensu e MBA.

De acordo com a presidente da Associação dos Docentes da UFF – Aduff Seção Sindical, Gelta Terezinha Ramos Xavier, essa vitória é importantíssima para os três seguimentos (docentes, técnicos e estudantes), porque consolida a compreensão constitucional de que a universidade deve ser pública e gratuita em todos os níveis.

“Nós - docentes, técnicos e estudantes - trabalhamos juntos na construção de uma campanha pela gratuidade total dos cursos e garantimos que a UFF seja a primeira universidade do país nessas condições. Agora, queremos multiplicar a informação para estimular outras instituições de ensino superior a debaterem o assunto e adotarem a mesma medida”, afirma.

Construção democrática

O processo de plebiscito resulta de uma decisão do Conselho Universitário – CUV de 1998 que, em atendimento às reivindicações da comunidade universitária, decidiu pela constituição de uma Assembléia Estatuinte para a elaboração da proposta do Novo Estatuto da UFF.

Decidiu também que os pontos divergentes entre os textos aprovados pela Assembléia Estatuinte e o Conselho Universitário seriam definidos pela própria comunidade universitária, por meio de plebiscito.

No caso em questão, a Assembléia Estatuinte propunha a gratuidade total, enquanto o Conselho Universitário defendia a gratuidade apenas para cursos de graduação, mestrado e doutorado. A posição da Assembléia ganhou por 86,7% dos votos, ou seja, 11.497 optaram pela gratuidade total, enquanto 1.751 membros da comunidade universitária, representando 13,2 % dos votantes, apoiaram a posição do CUV.

Valores

A UFF possui hoje 131 cursos de especialização lato sensu, entre especializações e MBAs, que envolvem 7,5 mil estudantes. A maioria é paga. Em alguns casos, muito bem paga.

A pós-graduação em Destística, oferecida pela Faculdade de Odontologia, por exemplo, com duração de 12 meses, requer que os alunos paguem R$ 1,1 mil. A especialização em Direito da Administração Pública sai a uma mensalidade de R$ 550, além da taxa de inscrição de R$ 100.

Há alternativas mais em conta, principalmente em cursos relacionados à formação de professores. Gratuidade completa, entretanto, é rara, mas existente. A Faculdade de Educação, na qual Gelda está lotada, não oferece nenhum curso pago e evita, inclusive, cobrar taxas de inscrição.
Atualmente, oferecem nove dos 131 cursos de especialização da UFF, mas já chegaram a ofertar doze concomitantemente.

“Nossa experiência da Faculdade de Educação prova que a oferta de especializações gratuitas é perfeitamente viável. Os professores, em sua maioria, trabalham em regime de Dedicação Exclusiva. Não há razões para cobranças de taxas e mensalidades”, defende.

UFF em números

A UFF possui 2.852 professores efetivos e 4.005 servidores técnicos administrativos. São 35.599 estudantes de graduação, sendo que 6.386 estão matriculados em cursos de educação à distância, e 11.675 pós-graduandos, entre cursos de especializações, mestrados e doutorados.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Modelo predatório: termoelétricas, usinas nucleares e desmatamento



Heitor Scalambrini Costa*



Nas últimas semanas foram veiculadas pela mídia notícias que deixaram, no mínimo, preocupadas todas as pessoas que querem, esperam e desejam que Pernambuco se desenvolva de forma sustentável e assim, melhore a condição de vida da população pernambucana. O crescimento econômico do Estado tão propalado e propagandeado não é um fim em si mesmo.  Ele é uma ferramenta, um instrumento para o desenvolvimento.  E o desenvolvimento que nós defendemos é aquele que seja sustentável em todos os aspectos: econômico, ambiental, social e cultural.

Inicialmente, deixou-nos perplexos, o anúncio do secretario estadual de Recursos Hídricos, na 9ª Reunião do Conselho deliberativo da SUDENE, ocorrida em 29 de abril, de que o Estado vai entrar na disputa para receber uma central nuclear que o governo federal planeja instalar no Nordeste. É sabido que no seu artigo 216, a Constituição Estadual proíbe a instalação de usinas nucleares em Pernambuco enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia elétrica de outras fontes. Logo, o governador vai ter que mudar a Constituição Estadual.

Outra ação do executivo, na mesma linha da perplexidade, foi o envio à Assembléia Legislativa (AL) do Projeto de Lei (PL) 1496/2010, autorizando o desmatamento de 1.076,49 hectares de vegetação nativa, para a ampliação do Complexo Industrial e Portuário de Suape, no Grande Recife. Com a pressão das organizações da sociedade civil pelo absurdo proposto, um substitutivo foi enviado e aprovado, para o desmatamento de 691 hectares (tamanho aproximado de 700 campos de futebol), de mata nativa, sendo 508 de mangue, 166 de restinga e 17 de mata atlântica. Ação idêntica de desmatamento de vegetação nativa está também em tramitação na AL, o PL 1591, que autoriza o desmatamento de 7,4 hectares, distribuídos em 44 fragmentos, visando o alagamento de uma área para a formação do reservatório de uma PCH (pequena central hidrelétrica) chamada Pedra Furada, no município de Ribeirão, na Mata Sul.

Mais recentemente, o comunicado divulgado pelo grupo finlandês Wärtsilä, que irá assumir a construção da usina termelétrica Suape II, no Complexo Industrial e Portuário de Suape, com uma potência instalada de 380 MW, funcionando com óleo combustível: uma sujeira só para o meio ambiente. O projeto do tipo “chave na mão” (turnkey) pertence a um grupo formado pela Petrobrás e a Nova Cibe Energia (Grupo Bertin), cujo início de operação comercial está prevista para 1º de janeiro de 2012.

Em nome de alavancar o desenvolvimento do Estado, com novos investimentos para a região e a criação de novos postos de trabalho e geração de renda, se perpetua um modelo predatório, cujas conseqüências podem ser traduzidas na aceleração da degradação ambiental e no aumento das emissões de gases de efeito estufa, responsável pelas mudanças climáticas; além de pressionar os problemas econômicos e sociais com mais concentração da riqueza gerada.

A questão das opções e das escolhas das fontes de energia é assunto em pauta, no contexto mundial, pois são as fontes energéticas atuais (petróleo/derivados, gás natural, carvão mineral e minérios radioativos) responsáveis por mais de 2/3 das emissões de gases de efeito estufa no mundo. Com relação à instalação de termoelétricas no Estado, recordemos da TermoPernambuco (TermoPe), movida a gás natural, que até recentemente, por falta deste insumo, nunca havia atingido sua capacidade instalada plena de 520 MW, além de ter contribuído e contribuir significativamente para a majoração extraordinária das tarifas de energia elétrica no Estado. Trata-se de um exemplo que não podemos esquecer.

O que deixa atônito a todos é este anúncio, completamente inexplicável do ponto de vista ambiental e da oferta de energia elétrica, da Energética Suape II. O combustível a ser empregado é o óleo combustível, que dentre os combustíveis fósseis é o mais “sujo”, pois para cada 0,96 m3 de óleo combustível consumido na usina serão emitidas 3,34 toneladas de CO2 (segundo a Agência Internacional de Energia).

O interesse pelas usinas nucleares é outra decisão absurda do governo estadual, completamente descabida, fora de propósito e equivocada. Os argumentos utilizados como o da diversificação da matriz energética, atendendo o crescimento da demanda de energia da região, de que é uma tecnologia segura, não emissora de CO2 e barata para a produção de energia elétrica, são argumentos falaciosos e não representam a verdade dos fatos.

Com relação aos custos da eletricidade nuclear eles são caros e irão impactar ainda mais as tarifas de energia elétrica, uma das mais caras do mundo. De que é uma tecnologia segura? Como se fosse possível, alguns de seus defensores chegam a afirmar que os riscos de ocorrer um acidente inexistem. Obviamente, não podemos negar os renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como segura, todavia, acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa, oferecendo constantes riscos que podem trazer conseqüências catastróficas ao meio ambiente e à humanidade, por centenas de milhares de anos. Sem falar em outro problema que continua sem solução no Brasil e no mundo, que é o armazenamento do lixo radioativo gerado pelas usinas. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante até 10 mil anos. Aí se evidencia um problema de ordem ética, pois usamos a eletricidade agora e deixaremos para as gerações futuras resolver o que fazer com este lixo.

Afirmar que as centrais nucleares não contribuem para os gases de efeito estufa, que são “limpas”, é uma meia verdade. No conjunto de etapas do processo industrial que transforma o mineral urânio, desde quando ele é encontrado nas minas em estado natural até sua utilização como combustível dentro de uma usina nuclear, chamado ciclo do combustível nuclear, são produzidas quantidades consideráveis de gases de efeito estufa. Segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica se consideramos a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central (descomissionamento) e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado. Já de acordo com a metodologia de Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares emite de 150 a 400 g CO2/kWh, enquanto o ciclo para geradores eólicos emite de 10 a 50 gCO2/kWh. O cálculo que faz a Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás. Portanto, aqui também tem um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar uma parcialidade sobre a realidade desta fonte de energia.

Quanto os desmatamentos previstos na área de Suape, também há um engano que comprometerá as futuras gerações, em afirmar que o “novo ciclo de desenvolvimento (?)”, e que a “redenção econômica do Estado (?)” exigirá “o sacrifício ambiental” daquela área, segundo o diretor de Engenharia e Meio Ambiente de Suape (JC de 25/04/2010 “Os desafios do Desenvolvimento”). É preciso que se façam os investimentos corretos a fim de compatibilizar o desenvolvimento que leva em conta a saúde, a educação, a cultura, com a diversidade e com a proteção dos recursos naturais. Temos sim, que avançar no sentido de uma mudança de paradigma da relação das indústrias com os recursos naturais, com o uso de novas tecnologias, que possam ser menos poluentes, que possam contaminar menos, que assumam esse papel da responsabilidade social e ambiental. É preciso cada vez mais dizer alto e em bom tom que o meio ambiente não atrapalha o desenvolvimento.

Empreendimentos da magnitude que estão ocorrendo não podem acontecer sem uma forte participação da sociedade, pois os impactos ambientais, entendidos como as conseqüências das ações previstas e em andamento, acabarão influindo na qualidade de vida, não somente dos moradores daquela região, mas de todo o Estado. Partindo do conceito de desenvolvimento sustentável podemos afirmar que é um absurdo e um equívoco que o governo estadual opte pela energia nuclear e pela termoelétrica a óleo combustível para geração de energia elétrica, considerando que o Estado conta com outras opções de produção a partir de energias renováveis e limpas (solar, eólica, bioeletricidade/bagaço da cana de açúcar).  Para um desenvolvimento sustentável, voltado para o bem de todos, da pessoa humana e da natureza, não se deve optar pelo desmatamento e sim pela preservação ambiental.

O mais importante a destacar é que o crescimento que estamos vivenciando em Pernambuco está subordinado a um modelo de desenvolvimento econômico que considera que crescer desmatando e utilizando fontes energéticas “sujas” é o único caminho. Uma visão do século passado que ainda domina as mentes dos gestores.


 * Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ideologizaçao da Questao Ambiental



Heitor Scalambrini Costa
A sociedade mundial começa a perceber que o aquecimento global, ou seja, uma mudança significativa no clima da Terra é um problema real e sério. As terríveis previsões sobre secas, inundações, tempestades, doenças, extinção de espécies, aumento do nível do mar e desgraças afins, fazem parte dos resultados dos estudos recentemente divulgados.
Quando olhamos a história da Terra, podemos ver que mudanças climáticas fazem a regra e não a exceção, e, aparentemente, o gás carbônico tem um papel fundamental nestas mudanças, seja iniciando a mudança, seja ampliando a mudança. Se provocarmos com nossas emissões de carbono, via queima de combustíveis fósseis e desmatamento, uma outra máxima termal, como a que aconteceu 55 milhões anos atrás, não vai ser novidade para a Terra, mas certamente será uma novidade triste para a civilização humana.
A constatação feita pelo IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), órgão da ONU responsável por estudos sobre transformações do clima, de que os pobres é que vão pagar a conta do caos climático, pode não ser exatamente surpreendente, mas serve para chamar a atenção para a dimensão ideológica do problema, que muitas vezes é ignorada ou até mesmo deliberadamente deixada de lado, pois geralmente, a ideologia vem depois do interesse. As mudanças climáticas poderão ter não só implicações econômicas, ambientais e sociais, mas para a paz e a segurança também. Isto é especialmente verdade em regiões vulneráveis, que enfrentam diversas tensões ao mesmo tempo - conflitos preexistentes, pobreza e acesso desigual a recursos, instituições fracas, insegurança alimentar e incidência de doenças como HIV/Aids.
Quando se chega a esse ponto, não basta dizer que o capitalismo é o culpado histórico pelas mazelas ambientais. Não basta denunciar que os países que são os principais culpados pelo aquecimento global serão os que menos vão sofrer suas conseqüências. É preciso dizer que, se o atual modelo de produção e consumo capitalistas não for profundamente alterado, todos serão atingidos, ricos e pobres (esses primeiramente, claro). Essa alteração passa pela completa revisão do conceito de crescimento econômico que a humanidade, em sua fase capitalista, adotou como verdade divina. Está provado que a idéia segundo a qual a humanidade pode crescer indefinidamente a partir da “transformação da natureza” vai nos levar ao suicídio global em pouco tempo. É preciso interromper o quanto antes essa corrida ao abismo. Os bens da natureza são para sustentar a vida humana e não para satisfazer os cofres das companhias multinacionais ou nacionais que, aliás, nem sempre lembram que o fim último das atividades é manter a vida sobre a Terra e não destruí-la para o benefício limitado de umas poucas pessoas ou entidades.
A Europa parece mais sensível à ameaça do caos climático nos últimos anos, apesar de os maiores países ainda não cogitarem uma profunda mudança no sistema econômico. O alto grau de conscientização dos europeus em relação às questões ambientais nutre a esperança de que, de baixo para cima, a pressão social acabe por consolidar a mudança de postura dos governantes. A face ambiental do esgotamento do capitalismo é muito mais vista e discutida na Europa do que, por exemplo, nos Estados Unidos. Mesmo lá, as coisas, ainda que lentamente, parecem começar a mudar. Nos últimos meses, a maior parte da sociedade vem deixando o presidente Bush (e seus aliados entrincheirados nos setores de petróleo, construção civil e indústria bélica), cada vez mais isolados em relação às questões ambientais. No início de abril, a Suprema Corte dos EUA decidiu, contra a vontade do governo, que a agência federal de proteção ambiental (EPA, na sigla em inglês) tem autoridade para regular e tentar reduzir as emissões de dióxido de carbono provenientes dos automóveis.
E os maiores países ditos em desenvolvimento, o que fazem? A China anunciou há pouco tempo que vai “crescer menos” para, entre outras coisas, reduzir sua contribuição ao aquecimento global. Será? Previsões indicam que ela deve, ainda este ano, ultrapassar os Estados Unidos no “ranking” de maior emissora mundial de gases provocadores do aquecimento da atmosfera.O governo da Índia, apesar das suas crescentes emissões de gases provocadores do efeito estufa, não tem um programa concreto de combate ao aquecimento global. A África do Sul e a Indonésia limitaram-se a assinar o Protocolo de Quioto e aguardam a “transferência de tecnologia”, para se preparar para as mudanças climáticas.
Nesse cenário, o Brasil cumpre papel fundamental, pois o rumo que seguirá o país nos próximos anos deverá ajudar a definir o encaminhamento global do combate às mudanças climáticas. A posição do governo brasileiro é dúbia. De um lado, o país tem uma das mais avançadas legislações ambientais do mundo e uma ex-ministra do Meio Ambiente reconhecida internacionalmente e consciente da necessidade de mudanças urgentes para evitar à catástrofe. De outro, setores com forte influência no governo brasileiro parecem obedecer a uma mentalidade desenvolvimentista ainda calcada na visão do “mais e maior” e que ignora as dimensões sócio-ambientais do “crescimento infinito”. Temos que nos posicionar contra clichês alardeados e flagrantemente falsos em defesa do país.
No Brasil e no exterior, existe em boa parte da esquerda (seja nos governos, nos partidos ou na sociedade) muita dificuldade de aceitar o fato de que o paradigma do crescimento econômico deve e precisa ser profundamente alterado. À esquerda, precisa se adequar à velocidade dos acontecimentos, pois o caos climático e suas conseqüências se transformarão em poucos anos num fator de contestação global do capitalismo como jamais houve na história. Para estar à altura dos acontecimentos, uma boa idéia é começar a deixar de lado um conceito de crescimento econômico que nos foi imposto pelo próprio capitalismo. O fato é que jamais haverá, sob o signo do capitalismo, a “salvação ambiental”. Por isso, a luta socioambiental é hoje o instrumento mais importante para a superação do capitalismo antes que o capitalismo acabe com as condições para que a humanidade exista nesse planeta.
Algumas das decisões que as sociedades vão precisar tomar dependerão de uma solidariedade global, especialmente para a redução do fluxo de carbono para a atmosfera. Não adianta um país reduzir o seu fluxo de carbono se isto não está acompanhado por todos. Outras decisões, principalmente de como adaptar as mudanças já em curso, são de caráter regional, local e até individual. Mas, de qualquer maneira, vamos precisar enfrentar o assunto de mudanças climáticas com ações sensatas, ou falhar como outras sociedades falharam no passado.
Por fim, é importante a responsabilidade e o comprometimento de todos para com essa questão, e uma atenção cada vez maior para ações parceiras entre todos os atores sociais: setor público, privado e o terceiro setor.


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

É ilegal

Ministério Público pede que UFPE pare de cobrar taxas a alunos

Publicado em 24.08.2010, às 16h18

Do JC Online

Além dos alunos, agora o Ministério Público Federal se manifesta contra a cobrança de taxas para alunos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em um documento expedido nesta terça-feira (24), o órgão recomenda que a instituição deixe de cobrar taxa, tarifa ou qualquer tipo de cobrança para diversos serviços.

O pedido vale para os cursos de graduação, programas de mestrado, doutorado, especialização e aperfeiçoamento. O MPF pede que sejam interrompidos cobrança para os serviços de matrícula, transferência, emissão de histórico escolar, expedição de diploma ou certificado de conclusão de curso, atestado de grade curricular e outros serviços prestados aos alunos da UFPE.

Para a procuradora da República Mona Lisa Ismail, que expediu o documento, esse tipo de cobrança fere o artigo 206 da Constituição Federal, que assegura a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, também garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

O reitor da Federal terá 15 dias para se manifestar. Caso contrário, o MPF poderá tomar medidas judiciais e extrajudiciais.




segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Universidade e a Crítica

Prof .Daniel Rodrigues – membro do Conselho Universitário da UFPE


A universidade desenvolveu-se sempre numa contradição básica: a reprodução social e do conhecimento e a crítica ao poder, ao próprio conhecimento vigente! O conhecimento, a filosofia, a busca científica pela verdade em vários momentos históricos trouxe à baila um elemento diferente do que era tradicional em seu papel como educação superior, a saber: a possibilidade de opor-se, criticar a ordem estabelecida.

Assim tivemos vários momentos da história da universidade, especialmente a brasileira, um movimento crítico, um sopro de ares opostos do poder. Também tivemos momentos obscuros como a cassação centenas de professores e estudantes na época da ditadura militar do século passado. A crítica, a ação política reveladora dos projetos elitistas ou pseudo-populares, foram elementos decisivos para conquistarmos alguns degraus de democratização na sociedade e universidade. Exemplo disto, foi o processo da luta pelas eleições para reitor. Para tal, a crítica foi uma das armas estruturais para que se conquistasse, mesmo que parcialmente essa consulta.

Mesmo com essa conquista, ainda estamos debaixo da estrutura vigente desde a época da ditadura. Não podemos exercer, em sua plenitude, essa escolha, ainda existe uma legislação antiautônoma, bem como um Conselho Universitário estruturado de forma antidemocrática sob a feição ainda da ditadura militar. Não há uma representação real dos estudantes, não há eleições para a maioria dos cargos de conselheiro. Ainda não realizamos uma ESTATUINTE!

Construir uma universidade pautada por uma ciência voltada para a maioria e não simplesmente para o mercado, na direção na construção de uma universidade forte enraizada em um projeto de transformação social, deve ter como base fundamental o resgate da crítica. No entanto, essa situação de estreita ligação com o governo central nos deixa muitas vezes à mercê de um posicionamento claro em defesa dessa universidade efetivamente de qualidade e de cunho popular.

A ausência de um processo efetivamente autônomo e crítico empobrece muitíssimo a nossa universidade, não aponta para um projeto que seja socialmente referenciado na perspectiva de uma profunda transformação social, em especial, no que tange à universidade numa socialização do conhecimento, da ciência. Que não seja simplesmente a construção de prédios sem a clareza de um projeto político educacional questionador da lógica dominante do capital, que na ação da universidade sobressaia a crítica à lógica dominante do poder.

Eis o desafio da construção de um projeto para a universidade, colocar a crítica comprometida com as transformações sociais, científicas de forma mais ampla e profunda possível. Um compromisso que passa pela democratização das estruturas da universidade, que passa pela efetiva participação dos três segmentos, os estudantes, os técnico-administrativos e professores. Que passa pelo aprofundamento da relação com a sociedade, que espera uma outra universidade, para a construirmos um processo efetivamente transformador da realidade, uma universidade crítica e forte, socialmente referenciada.